Transição Socialista

A esquerda diante do governo Temer

1. Não temer o “fogo amigo” da esquerda

Militantes da chamada esquerda já se preparam para nos atacar — a nós, organizações da esquerda socialista que defenderam a queda de Dilma —, responsabilizando-nos pelas políticas que Temer tentará aplicar agora; como se tivéssemos facilitado a ascensão de um governo “mais reacionário”.

Isso é falso. Em primeiro lugar porque, objetivamente, o governo Temer não é mais reacionário que o governo Dilma. Se forem analisadas todas as medidas que Temer pretende executar, perceber-se-á que são medidas que Dilma tentava executar e não conseguiu graças à crise política. O impeachment e a crise política retardaram até o limite do possível a realização dessas medidas nefastas. Se dependesse de Dilma, elas já teriam sido executadas há muito tempo. São elas: a DRU (Desvinculação das Receitas de União, para cortar investimentos em serviços sociais do Estado e “melhorar” a situação fiscal); o ACE (Acordo Coletivo Especial, que faz o acordado entre empresa e sindicato valer mais do que a CLT, ou seja, é a diluição da CLT); as PLs da terceirização (que Dilma e Joaquim Levy discordavam apenas quanto à forma de arrecadação de impostos, mas não quanto à sua necessidade); a reforma trabalhista e a reforma da previdência.

A essência das medidas de Temer é a mesma das do PT, embora mudem os rótulos. Não à toa o nome  cotado para o ministério que mais importa num momento de crise econômica — o Ministério da Fazenda — é de Henrique Meirelles. Meirelles é o favorito do PT; foi Ministro de Lula para aplicar ajustes em nome do capital, bem como foi presidente do Banco de Boston. A “ponte para o futuro” de Temer foi redigida com apoio de Delfim Netto, que também era conselheiro pessoal da presidenta e de Lula na área econômica. As propostas de Dilma e da “ponte para o futuro” de Temer são as mesmas porque são necessidades da burguesia e do grande capital, dos quais Lula, Dilma, Temer, Cunha e Meirelles são meros agentes subordinados.

Deve-se calar, portanto, todo o palavriado da “esquerda” que tente neste momento nos acusar e nos responsabilizar por Temer. Na verdade, os responsáveis por Temer e a lamentável situação política nacional são o PT e os petistas: foram eles que estiveram numa longa lua de mel promíscua com o que há de mais reacionário neste país. O PT era a tampa do bueiro de todo o lixo político nacional — toda a mediocridade e baixo nível dos deputados salta aos olhos agora, mas são os mesmos que até ontem eram da base do governo petista. O PT era a máscara que escondia a essência da política brasileira, essência perpetuada por ele. Nesse sentido, devemos saudar como um grande avanço que hoje a aparência se desfaça e a essência se revele; que a máscara caia e que apareça o grotesco rosto dos atores políticos burgueses nacionais. Diante de toda a população trabalhadora brasileira, todo esse processo de enfraquecimento de Dilma e do PT trouxe consigo um enfraquecimento do sistema político da burguesia enquanto classe, o que cria melhores condições para a construção de um poder — ou sistema político — operário, contraposto ao poder oficial burguês.

2. O buraco negro da crise absorve todos os setores burgueses

Anunciou-se agora que o PSDB comporá o governo Temer. A entrada do PSDB no governo de Temer é a comprovação de que a crise política nacional é tão profunda que absorverá necessariamente todos os velhos partidos deste sistema.

A burguesia deu-se conta de que um governo apenas do PMDB não teria quadros burgueses suficientes; seria frágil demais e rapidamente cairia. A burguesia deu-se conta de que deveria zelar antes de tudo pela estabilidade institucional, para assegurar estavelmente as instituições ao menos até as próximas eleições. Ecoou-se exatamente isso na voz de FHC, defendendo que o PSDB entrasse formalmente no governo, como organização; como partido.

O fato entretanto é que esses setores burgueses, como o PSDB, serão rapidamente desmoralizados diante de toda a população por assumirem responsabilidade por esse governo nefasto, sabidamente corrupto, parceiro do PT em toda a bandalheira do último período. Afinal, como o PSDB poderia estar num governo que ele mesmo está pedindo, hoje, a derrubada? Não se esqueçam: corre na justiça eleitoral um pedido de impugnação da chapa Dilma e Temer, protocolado pelo PSDB. O mesmo PSDB que protocola pedido da queda de Temer passa a compor organicamente o governo Temer — é contradição demais para uma organização qualquer, mesmo para alguns dos mais competentes representantes da burguesia. Ou seja, na prática é isso: o PSDB foi definitivamente tragado para dentro da crise do sistema político burguês, e em pouco tempo não restará  sustentáculo político-partidário estável para a burguesia.

A crise política nacional é como o Deus grego Cronos, que devorou seus filhos; ela é tão grande e de todo o sistema; tão portentosa que agora engole os burgueses que lutaram para derrubar o PT. Na verdade, o PT era o fiel da balança, o mantenedor da ordem geral do sistema político burguês, porque era ele quem sustentava a verdadeira política para a burguesia, a política da luta de classes, a contenção da classe trabalhadora. Caindo o pilar fundamental, o PT, todo o sistema político burguês entra em crise.

Os únicos filhos de Cronos que poderão sair vivos são os elementos não burgueses. A crise engolirá todos os setores burgueses ou aqueles que se mantiverem mais ou menos vinculados ao PT e à falsa esquerda brasileira. Os que têm chance de sobreviver ao futuro são os elementos não burgueses que tiveram coragem de desestabilizar Dilma, visando não ao oportunismo burguês (como o PSDB), mas à acentuação da luta de classes. A história se coloca ao lado dos que tiveram coragem de acreditar no futuro; dos que, mesmo sabendo das dificuldades, da grande incógnita e do abismo que se abre, preferiram arriscar, em vez de conservar a mediocridade política. Sob o PT e sua defesa — contra um suposto “golpe” — escondem-se os que hoje têm medo do futuro. Os próximos anos serão favoráveis à construção das organizações políticas que mantiverem uma linha audaz, ousada e profissional diante da complexa conjuntura.

3. Erguer o programa transitório!

A instabilidade do governo Temer, num cenário de crise, coloca como central um programa que não seja apenas de derrubada deste ou daquele governo. As medidas de Temer (que eram as de Dilma) são nefastas e devem ser combatidas com toda a força pela esquerda, de forma unitária. Mas mais do que isso, a fragilidade do governo Temer reforça a urgência de realizar a tarefa número um da esquerda socialista: organizar a classe trabalhadora, nos seus locais de trabalho, para defender empregos e salários contra o capital. Na verdade, essa é a política real. Num momento de crise, tal política ganha mais vida e ainda maior necessidade.

Nesse sentido, nenhum programa político hoje é mais importante do que o programa histórico da classe trabalhadora, o programa herdeiro da Revolução Russa de 1917. O que cabe ser feito agora é, a partir da luta mínima, da resistência pela conservação das atuais condições de vida da classe trabalhadora, abrir o processo transitório para outra sociedade, ou seja, abrir o poder operário, o poder contraposto ao poder da burguesia.

Fundamentais são, portanto, para estruturar essas lutas mínimas, as reivindicações de escala móvel das horas de trabalho e escala móvel de salários. Tais são as reivindicações capazes de manter os atuais empregos e salários e, além disso, apontar para uma realidade — uma organização econômica — além da sociedade do capital. A tarefa número um da esquerda brasileira — se souber aproveitar-se deste chamado único da História — é tomar a conjuntura que se abre e inserir-se no seio da classe operária, para ajudá-la a estruturar a sua resistência com base no programa transitório.

À luta, camaradas! Não temer o futuro! Organizar a classe operária com o programa transitório internacionalista!