Transição Socialista

França, EUA, China e Brasil

O texto abaixo é parte de comentário conjuntural interno à organização Transição Socialista, redigido no dia 08/12.

França em chamas!

E mais um sábado quente se passou na França! Foi o quarto ato. Como dizem, toda boa tragédia tem cinco atos. Sábado que vem (15) promete, portanto. Não apenas pela simbologia numérica, mas porque a massa proletária francesa quer dar o troco. Neste sábado, dia 08, mais de 1400 pessoas foram presas por toda a França. Como aqui, nos atos que seguiram junho de 2013, manifestantes foram presos quando se encaminhavam para os atos; tiveram suas mochilas reviradas e diversos materiais apreendidos. Coletes amarelos, máscaras negras, bolas de beisebol (!), vinagres, lenços, tudo era motivo para apreensão de materiais e, possivelmente, de manifestantes. Milhares de P2s infiltrados na massa ajudaram a lançar manifestantes nos carros policiais. Mas “não vai ter natal para a burguesia”, revelavam pichações nos centros turísticos mais importantes de Paris. Louvre, Arco do Triunfo, Eiffel, Champs-Élysées, as principais ruas do comércio, tudo controlado, tudo fechado. Mas os tapumes que fechavam as lojas — logo descobriram os manifestantes — eram um bom material inflamável. As imagens de cima, de helicópteros, revelaram dezenas de piras espalhadas por ruas paralelas e perpendiculares. E também de cima se via a chuva de bombas policiais lançadas por todos os lados. Cães policiais e blindados policiais — nunca utilizados antes em manifestações internas, apenas em ações fora do país; cerca de 90 mil policiais mobilizados em todo o país…

E o ódio se espalhou novamente para outros países. Bélgica e Holanda, mas, desta vez, noticiou-se ações até no Iraque! Segue o impulso do descontentamento. Em cidades pequenas da França, como ocorreu no dia 01, administrações foram tomadas. Não bastaram as escolas tomadas e a violência policial na semana. A população agora quer todos os prédios de governo. A posição de Macron pelo cancelamento do aumento dos combustíveis não surtiu efeito. “Eles falam do fim do mundo, nós estamos preocupados com o fim do mês”, dizem os manifestantes. Fim do mundo porque, supostamente, o aumento do diesel aprovado por Macron era para uma renovação da matriz energética, visando a algo mais limpo e sustentável ao planeta. Fim do mês é a situação terrível de pressão de todos os trabalhadores, como bem sabemos. Os problemas são diferentes. Os manifestantes sabem que o discurso de Macron pelo ambiente é uma farsa, cuja única preocupação é manter e sustentar as elites parasitárias da França e de todo o mundo, que não fazem outra coisa senão destruir o planeta, a começar pela força de trabalho.

Agora querem taxar os manifestantes de “vândalos” e “bandidos”, arruaceiros. Mas as pessoas que estão nas ruas tacando fogo em tudo são trabalhadores normais, donas de casa, muitas pessoas que já passaram de quatro ou cinco décadas de vida. Não são os “jovens inconsequentes”. O problema é que alguns compram o discurso do governo, como parte significativa da burocracia sindical, que afirma que a manifestação é legítima, mas deve-se afastar dela os “desordeiros”. Já vimos esse teatro por aqui desde 2013 com PT e suas variantes.

A revolta é majoritariamente proletária. Os grupos de direita já perderam sua força. O caráter pequeno-burguês inicial — vinculado a pequenos produtores e caminhoneiros — já foi ultrapassado. Mas a tragédia é que tudo segue sem direção à altura dos desafios históricos. Essa é a tragédia da nossa época, aliás, como vimos no Brasil em junho de 2013 (que em muito se assemelha, ao menos até agora, aos protestos franceses, como analisamos há duas semanas). Na próxima sexta-feira, prévia do quinto ato, as centrais sindicais francesas prometem uma grève générale. Vejamos o impacto disso sobre o sábado, dia seguinte, o quinto ato. O quinto ato para acabar com a Quinta República. Tomara! Os manifestantes querem a cabeça de Macron. Querem a dissolução do parlamento e a criação de outra forma de poder político, mesmo que não saibam exatamente o que por no lugar. Em pequenas cidades, chega-se a falar expressamente em Commune – essa velha palavra que atravessa o século e sempre retorna para aterrorizar a burguesia.

Mas, sem direção — sobretudo operária, fabril, que aponte para o controle dos meios de produção da economia francesa —, a revolta espontânea necessariamente refluirá. E poderá até produzir deformações políticas graves. Infelizmente. Ainda assim, servirá sem dúvida como impulso a lutas em todo o mundo. “1789 / 1968 / 2018” — dizia uma faixa bastante vista. Os protestos, os maiores desde 1968, simbolizam muita coisa. Simbolizam agora o retorno da luta de classes no momento talvez mais difícil para a burguesia mundial, quando já se vislumbra e anuncia em todo o mundo a maior crise econômica das últimas décadas. Crise econômica e social. E fogo no coração da Europa!

Faliram todos os partidos franceses. A revolta não pode ser explicada a partir de Macron. Não é de repente o dilúvio — muito embora Macron queira o velho après moi, le déluge. O problema tem de ser pensado desde muito antes. Lembremos que em 2016, na França, na questão da loi du travail, o país, principalmente Paris, ardeu em chamas. Lembremos das centenas de carros revirados e queimados. E lembremos que F. Hollande e seu ridículo Partido Socialista faliram fragorosamente (mas Macron já atingiu até um patamar de aprovação menor do que o de Hollande!). Em 2016, Macron apareceu como salvação, outsider — o que FHC ridiculamente queria fazer aqui no Brasil com Luciano Huck! —, mas Macron é na verdade apenas a espuma da história. A falência dos partidos, que começou muito antes de Macron, preparava a convulsão social da “França profunda” que hoje emerge. Macron e seu governo, seu partido En Marche, seus parlamentares, são um castelo de cartas; só imagem e representação; um tigre de papel abatido mais rapidamente que qualquer outra articulação política francesa. A burguesia adora se auto-enganar. Não se deve explicar nada, portanto, a partir de situação política de agora, mas a partir da falência dos partidos nos últimos anos, e a partir da dissolução das relações econômico-sociais da França (e da Europa) como decorrência da última crise. Favelas se espalham por Paris. Imigrantes tomam a cidade e pressionam por mudanças nas condições de vida do conjunto do proletariado. E tudo explode “repentinamente”. Também aqui devemos nos preparar para isso, pois não será o dilúvio.

O temor que agora ronda a cabeça dos capitalistas franceses é o seguinte: até quando esses milhares de policiais nas ruas da França serão confiáveis? Até quando não se deixarão arrastar pelo resto do proletariado? Parte deles já vacilou neste dia 08. Qual será o impacto dessa greve geral de sexta-feira no conjunto do proletariado francês e continental? A ver, à espera do V Ato da tragédia social francesa, ou da nova revolução francesa!

EUA humilham China

Morreu na semana George Bush pai, ex-presidente dos EUA quando da dissolução da URSS. O último grande serviço prestado por ele ao capitalismo foi justamente morrer na hora certa. As bolsas de valores dos EUA despencavam na terça-feira, dia da morte do ex-presidente. Para sorte dos capitalistas, sua morte foi seguida por luto nacional. As bolsas, devido a isso, não abriram na quarta-feira. E o mercado respirou aliviado. Pouco mais e aqueles mecanismos de brake das ações em queda teriam de ser acionados.

A alegria dos capitalistas durou pouco, porque, infelizmente para eles – e a despeito dos olavistas –, a terra gira e a quinta-feira sucedeu a quarta. Novamente, quedas estrondosas, quinta e sexta. Os ganhos da S&P e do Dow Jones em 2018 foram apagados. Ao temor juntou-se o receio frente à queda dos preços do petróleo. São as ações das mais importantes empresas de tecnologia dos EUA (as mais importantes do mundo) indo para o buraco. Os capitalistas dos EUA não sabem mais como seguir sem incendiar o mundo todo na grande crise que preparam e prepararam. Eles sabem que só eles seguram hoje a economia mundial, e tomarão todas as medidas necessárias para fazê-lo e mantê-lo. Do contrário, o mundo pode pegar fogo, como querem os franceses. Mas até quando conseguirão segurar o planeta?

Em nome disso, os EUA mexeram mais uma peça no tabuleiro de xadrez comercial internacional. Após a derrota que impuseram à China no G20 (como analisamos internamente na semana passada), agora decidiram humilhá-la. Para isso, os EUA mandaram simplesmente prender, no Canadá, uma CEO da empresa chinesa Huawei, gigantesca fabricante de smartphones, computadores, relógios etc. Vejam: a mulher foi presa no Canadá a pedido dos EUA! Assim a maior potência do planeta mostra mais uma vez que os demais países, sobretudo da América, são quintais seus. A mulher foi presa sob a alegação de que sua empresa transgredia acordos de comércio dos EUA com o Irã — país tratado agora como nação “terrorista”, após Trump romper o acordos comerciais e bélico costurados por Obama. Os EUA, já tratamos e analisamos anteriormente, ameaçam impor sanções às nações/empresas que mantenham relações com o “terrorista” Irã. O intuito dos EUA com tais medidas era sobretudo quebrar laços de comércio de empresas europeias com esse que é um dos principais países do Oriente Médio, um dos mais populosos e ricos. Mas, para além disso, o que aparece como mero diversionismo político na questão do terrorismo mostra ter importância e significados práticos muito claros para os EUA. A prisão da executiva simplesmente fez desabar as ações da empresa chinesa, bem como das bolsas chinesas, afetando suas vendas e apontando para o fortalecimento do pretendido superávit comercial dos EUA com a China. Foi uma nova etapa do que fez ontem Trump com a empresa ZTE. Os EUA, repetimos, apenas esperaram fechar o acordo no G20 para lançar outro duro golpe, muito bem preparado e aplicado, contra os asiáticos, impiedosamente, a despeito das fotos sorridentes e do discurso amistoso de Trump no G20. Humilhação completa para a China, que até agora só fez bravatas, mas não teve coragem de assumir medida real, econômica ou militar.

Será que ele chega lá?

“Tigre, Tigre, brilho, brasa / que a furna noturna abrasa”. A Furna da Onça, nova operação da PF, esquentou as coisas para o lado da entourage bolsonarista. Maravilha, que se devorem! O primogênito Flávio Bolsonaro ainda não é investigado, mas, coincidentemente, seus sete assessores na ALERJ são. O motivo? Fizeram uns depósitos estranhos, suspeitos, suspeitíssimos, na conta de Fabrício Queiroz, PM, ex-motorista de Flávio. Total: R$ 1,2 milhões movimentados pelo PM, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Tudo captado pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que ficará sob a batuta de Sérgio Moro. O valor nem de longe é compatível com o salário do ex-PM, de pouco mais de R$ 10 mil por mês.

Também as filhas de Queiroz fizeram movimentações estranhas, suspeitíssimas, para a conta do pai. Aliás, as duas e a mulher de Queiroz também trabalharam como assessoras das Flávio! Uma das filhas, ao ser exonerada por Flávio, logo arranjou um emprego com Jair Bolsonaro, na câmara dos deputados… Que sortuda, não é?! Dessa mesma conta de Queiroz saíram uns valores não menos suspeitos para a mulher de Jair Bolsonaro. Coincidência? Diz o presidente eleito que eram “dívidas” entre amigos, e que o depósito só foi feito na conta de sua mulher pois ele não tinha muito tempo para ir ao banco (mas teve, há cerca de um mês, quando foi tirar dinheiro para um churrasco dos seus seguranças da PF!).

Como começa a ficar óbvio, Fabrício deve ser laranja do filho de Bolsonaro. E há certamente muito mais coisa por trás disso. Os assessores faziam depósitos na conta do PM, fracionados, no limite exato para (supostamente) não chamar a atenção do COAF. E o dinheiro era sacado por Fabrício, sempre em espécie, num caixa dentro da ALERJ, também no valor limite para não chamar a atenção do órgão regulador. Para onde ia esse dinheiro em espécie? Não se sabe, mas deve-se notar que a renda de Flávio Bolsonaro, sabe-se, mais do que quadruplicou nos últimos 4 anos como parlamentar. O mínimo que se deve esperar é que Fabrício seja preso temporariamente, para depoimentos, bem como os demais assessores da Flávio Bolsonaro. Será que a PF e o Ministério da Justiça, junto com o MPF, agirão nesse sentido? A ver.

Jair Bolsonaro foi obrigado a dar uma declaração ridícula, fragilíssima. Nem precisa de detectores de mentira para se perceber o que se passa. Seu gaguejar o entrega. Pálido, frágil, mal assessorado, deixa antever que as chances de naufragar já são grandes. Chegará ele mesmo à posse? Para piorar, seus pares não passam por menos ridículo. Sérgio Moro emprestou sua fama para o picareta e agora corre o risco de afundar com ele. Tomara! Moro se calou diante da denúncia! Moro, que assumirá o próprio COAF, se negou a responder à questão relativa a isso durante coletiva de imprensa! Outrora tão falador, ainda que com seu estilo caipira, agora é o xerife de sorriso miúdo, amarelado, e ouvidos moucos. Já Onyx Lorenzoni, o faz tudo do governo no lodaçal parlamentar, perdeu a linha e deu um chilique contra os jornalistas. Lorenzoni já está com problemas demais referentes a si mesmo para conseguir lidar com os problemas dos pupilos do Rei. Mas no chilique soou ridículo. Ao ser questionado sobre a movimentação do dinheiro na contas de Fabrício, Onyx questionou sobre a movimentação de dinheiro das contas do jornalista que o interpelava!

Quanto a seus problemas, Onyx revelou que errou ao receber 100 mil reais de caixa dois, mas que havia aprendido com o erro e se dizia arrependido. Então ficou “tudo resolvido”. Até porque, diz ele, “o mais importante é eu me resolver com Deus”. Mas curiosamente pouco depois surgiu nova denúncia de caixa dois no mesmo valor, a qual ele não havia se dado conta! Ele ainda não teve tempo de se dizer arrependido desta, mas sempre há tempo para se arrepender…

A questão é: até quando, senhor Onyx, abusará da nossa paciência? Por que não sai logo do governo?

Se Onyx cair — o que parece cada vez mais provável, e do interesse do setor militar, que teme sua própria desmoralização com tudo isso — irá para o brejo a articulação com a lama parlamentar. O aparente não-toma-lá-dá-cá se tornará em essência o velho jogo, sem subterfúgios. O lixão parlamentar irá com a faca no pescoço de Bolsonaro — que já tem traumas o suficiente com facas. O governo ficará mais ainda paralisado. As chances de aprovação da reforma da previdência parecem a cada dia mais remotas. O próprio Bolsonaro diz já que, se houver, a reforma terá de ser fracionada. Mas se não houver essa reforma logo no início, é a constatação de que o governo acabou mesmo nos seus primeiros atos.

Na semana que passou, dados da economia revelaram a paralisação geral. O IPCA revelou tendência deflacionária de 0,21%. Mesmo no mês de novembro, que já aflui nas águas gerais do final de ano, que já se beneficia da liberação de 13o salário etc., os gastos das famílias não foram suficientes para pressionar os preços. A deflação é sinal de produção em baixa. Grande parte da capacidade industrial instalada segue ociosa neste fim de ano. A taxa de lucro dos capitalistas ainda não é interessante para sua produção. É preciso cortar mais, fazer sangrar mais a classe trabalhadora, para alimentar direito o capital.

E em meio a tudo isso, Temer anuncia intervenção federal em Roraima! Não bastasse a crise migratória de refugiados venezuelanos, somou-se a falência econômica e social desse estado, incapaz de pagar seus funcionários, e agora a greve dos agentes de segurança pública por salário. RR está sem polícia, ameaçada, segundo os agentes capitalistas, de ser tomada pelo “crime organizado“. Todavia, o maior crime organizado são os próprios capitalistas instalados no Estado, como Temer e os seus, espalhados por todos os escalões do país. O que os capitalistas temem mesmo é que frente à falência do estado de RR o proletariado brasileiro (e também venezuelano) tome gosto por ações similares às dos franceses. Assim esperamos!

Os capitalistas estão totalmente perdidos politicamente em todo o mundo, sem encontrar saída para a economia (e justamente por isso); estão temerosos com a queda nas bolsas dos EUA e com o fogo em Paris. Mas, mais do que nunca, falta internacionalmente um partido revolucionário. A crise da burguesia nunca será resolvida pelo proletariado de forma espontânea ou autônoma em sentido estrito (anarquista), infelizmente. A crise da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária. No Brasil, praticamente inexiste partido de esquerda. Que os ventos da França façam saltar internacionalmente os burocratas que atrasam a luta do proletariado!