Transição Socialista

As Teses de Abril e as lições de Lênin

Hoje, 7 de abril, é o aniversário de um dos momentos mais importantes da história revolucionária socialista: a publicação daquelas que ficaram conhecidas como as Teses de Abril de Lênin. Mais de um século depois de escritas, o rigor das diretrizes de Lênin para o partido bolchevique traz importantes lições para os revolucionários de hoje, especialmente no que diz respeito à independência da classe trabalhadora como pilar fundamental de uma luta consequente e efetiva na superação do capitalismo.

Em abril de 1917, Lênin retornava de seu exílio na Suíça para encontrar uma Rússia dividida após a revolução de fevereiro. O czar havia sido deposto, poucos meses antes, por um levante espontâneo das massas que surpreendeu a todos, até mesmo aos bolcheviques: farta de ser morta pela fome, pelo frio e por guerras que não lhe pertenciam, a população russa se revoltou contra o regime e, durante o mês de fevereiro, fez eclodir em todo o país greves operárias e motins entre soldados. Esse movimento culminou no estabelecimento, após a queda do czar, de um governo provisório, constituído por deputados da oposição liberal aliados aos mencheviques e camponeses.

No livro “O Partido Bolchevique”, publicado em 1962, o historiador francês Pierre Broué descreve a situação de duplo poder que se estabeleceu na Rússia a partir de fevereiro:

“De um lado, encontra-se o governo provisório, integrado por parlamentares representantes da burguesia, cujo empenho é reparar os danos sofridos pelo aparato de estado czarista, enquanto se esforçam em construir um novo e enquadrar a revolução; frente a eles se acham os sovietes, autênticos parlamentos de deputados operários que foram eleitos nas fábricas e nos bairros das cidades, depositários da vontade dos trabalhadores que os nomeiam e renovam seus cargos. Entre estes dois órgãos de poder se enfrentam duas concepções de democracia, a representativa e a direta, e por trás delas duas classes, a burguesia e o proletariado, que a queda do czarismo deixavam frente à frente.”

Os chamados “velhos bolcheviques”, muitos deles retornando do exílio neste momento, detinham-se ao programa da chamada “ditadura democrática dos operários e camponeses”, que seria estabelecida como uma etapa de transição ao socialismo após o “esgotamento” da revolução burguesa e do Governo Provisório. Essa ideia se mostrou errada, e o regime burguês que ascendeu após fevereiro provou não só não estar preocupado em preparar a sociedade para a “próxima etapa”, mas sim que a mera existência de tal ditadura democrática seria impossível.

Nesse contexto, as Teses de Abril são publicadas como uma resposta de Lênin à postura adotada pelos bolcheviques diante do processo conduzido desde fevereiro, com o objetivo de destacar a urgência de se retomar as rédeas do processo revolucionário pelas mãos do proletariado. Lênin via, naquele momento, uma oportunidade única para a efetiva superação do capitalismo na Rússia, mas somente se a classe operária tomasse a frente do processo revolucionário e resistisse, de forma independente, às tentativas da burguesia de paralisar a revolução em andamento.

Com as Teses, Lênin sintetiza a experiência das revoluções anteriores na Rússia (primeiro, em 1905 e agora, em fevereiro de 1917), e define como tarefa imediata do Partido Bolchevique desmascarar o caráter burguês e imperialista do Governo Provisório diante das massas, provando que seria impossível obter a paz enquanto este regime não fosse substituído por um poder verdadeiramente revolucionário: um governo dos sovietes. Ainda que, nessa posição, os bolcheviques ficassem isolados no contexto pós-fevereiro, enquanto minoria que se vê diante de um governo no qual as massas têm confiança, Lênin não hesita em denunciar tal governo como aliado dos capitalistas.

No texto de 1917, publicado no Pravda sob o título “Sobre as Tarefas do Proletariado na Presente Revolução”, Lenin destaca primeiramente a oposição categórica que devem manter os socialistas à participação da Rússia na guerra, que era sustentada pelo governo provisório por conta dos interesses capitalistas da burguesia nacional e internacional.

Como medida transitória, num momento em que o caminho ao socialismo ainda precisaria ser pavimentado, também se colocou o controle da produção social e da distribuição de produtos como tarefa imediata para consolidar o poder dos sovietes, que Lênin considerava os embriões do governo operário. Tudo isso culminaria na construção de um novo partido por parte dos bolcheviques, que não mais se intitulasse “social-democrata” e sim comunista, reivindicando a construção de um Estado-Comuna cujo protótipo teria sido a experiência da Comuna de Paris; um poder originado, como Lênin escreveria mais tarde em “O Estado e a Revolução”, não por “uma lei discutida e votada previamente num Parlamento, mas por uma iniciativa das massas que surge de baixo, por uma ‘usurpação direta”’, sendo, por isso, um poder revolucionário.

A renúncia a qualquer forma de associação com o que Lênin passa a chamar de “social-chauvinismo” está estreitamente vinculada à falência da II Internacional, cujo caráter “progressista” de aliança aos partidos de “centro” acabou por levar à traição do proletariado e capitulação dos socialistas à guerra imperialista. Por isso, Lênin coloca como último ponto de suas Teses a tarefa de renovação da Internacional Comunista, reconstruída sobre uma perspectiva verdadeiramente revolucionária e contrária ao oportunismo da social-democracia.

Em suma, com as Teses de Abril, Lenin propôs ao partido bolchevique uma política de independência de classe em relação ao caráter de frente popular do Governo Provisório. Com isso, retoma as posições de Marx e Engels em 1850, quando escreveram sua “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas”: à luz da recente experiência revolucionária na Alemanha em 1848-49, da qual a burguesia saiu triunfante sobre o proletariado, Marx e Engels destacam a necessidade imperiosa de uma organização partidária independente dos trabalhadores para o sucesso de sua efetiva emancipação.

Desde então, o curso da história demonstrou mais de uma vez a correção atemporal da política marxista de independência de classe. Como prova, podemos observar os resultados catastróficos da postura diametralmente oposta adotada pelos partidos da III Internacional nos anos 1930, com a política de frente popular que levou ao massacre violento dos movimentos revolucionários socialistas pelas mãos dos fascistas, em diversos países da Europa.

O caso mais emblemático foi na Espanha, onde um governo de Frente Popular foi constituído após a derrubada da monarquia pelo levante popular, em 1931. Quando o acirramento da conjuntura levou a um golpe militar liderado pelo general Franco, os trabalhadores levantaram-se em resistência e demonstraram elevado patamar de organização ao articular greves e comitês de fábrica em todo o país; porém, o governo de Frente Popular não teve interesse em levar o processo revolucionário às últimas consequências e tentou, ao invés disso, pacificar a situação, acabando por levar ao sufocamento do movimento revolucionário e vitória dos fascistas sobre um banho de sangue proletário.

Para aprofundamento neste tema, recomendamos a leitura dos textos sobre o fascismo da série História da classe trabalhadora, publicada por nós em setembro de 2020. Como dissemos então:

“Não há desfecho possível para um governo de Frente Popular que não seja a vitória revolucionária ou a da contrarrevolução, como os casos da Rússia e da Espanha, respectivamente, comprovaram. Tais governos ditos populares são, portanto, a antessala de um inevitável desfecho violento de episódios de acirramento da luta de classes. O que resta resolver é, em geral, se vencerá a contrarrevolução ou a classe trabalhadora. E tais governos, ao ajudar a burguesia a desarmar nossa classe, acabam por facilitar justamente a vitória da reação.”

Apesar de mais de um século ter se passado desde a publicação das Teses, as lições sintetizadas por Lênin em abril de 1917 são atuais ainda hoje, em que a tarefa fundamental que se coloca para os revolucionários ainda é a superação da crise de direção do proletariado.

Entre os revolucionários, é necessário ter clareza da impossibilidade de se vencer o regime burguês por meio de mecanismos e instituições burguesas. Isso significa rechaçar os charlatões que se apresentam como alternativas “democráticas” aos diversos fantasmas do “fascismo” que se erguem como espantalhos, e que em verdade nada mais são do que outras roupagens conhecidas da velha dominação burguesa. Somente a construção de um partido revolucionário, que mantenha sua independência de classe, pode apontar para um futuro em que seja possível livrar-se dessa dominação e superar efetivamente as mazelas do capitalismo.