Transição Socialista

O legado da Copa: paraíso dos ladrões?

Na quinta-feira passada, numa parceria entre governo federal, estadual e prefeitura de São Paulo ocorreu o encontro “Diálogos-Governo Civil”. Este evento fazia parte de uma série que vem ocorrendo em todo o país, com o objetivo de expor o legado da Copa do Mundo e promover os “ganhos sociais” trazidos pelo evento.

Para uma plateia de cerca de 300 pessoas, com representantes de sindicatos e movimentos sociais, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, expôs o que o “Brasil ganhou com a Copa”, enfatizando que é preciso “romper a desinformação ou meias verdades que fazem os manifestantes acreditarem que a Copa é o paraíso dos ladrões e que a Fifa impôs o que quis”. Enquanto o ministro discursava, integrantes do grupo político Território Livre estenderam uma faixa atrás dele contrária à Copa. Como relatou reportagem do jornal Folha de S. Paulo, outros protestos constrangeram Carvalho e os demais palestrantes. “Aqui não tem como mandar bater na gente, não é?”, desafiou um homem quando Carvalho pediu silêncio à plateia.

Mas afinal, a Copa é o paraíso dos ladrões ou, contrariando o sentimento popular de repudio ao evento, ela deixará um legado positivo ao país, como o governo Dilma e seus porta-vozes insistem em afirmar?

De cara, é possível afirmar que a Copa no Brasil vai ser a mais cara da história. No que se refere a gastos gerais de infraestrutura, segundo um estudo da Consultoria Legislativa do Senado Federal, a última Copa, na África do Sul (2010), custou US$ 8 bilhões, já esta do Brasil gastou, até o momento, US$ 12 bilhões; estima-se que essa cifra possa chegar a mais de US$ 30 bilhões, o equivalente a 5 vezes o investido na Alemanha em 2006! Desse montante a grande parcela é de recursos públicos. Em 2007, quando o Brasil foi anunciado como sede da Copa, a estimativa de gastos era de US$ 1,1 bilhão!

Para Simon Kuper e Stefan Szymanski, autores do livro Soccernomics – uma pesquisa sobre o impacto econômico da Copa nos países que recebem a competição –, sediar um Mundial não traz nenhum legado econômico duradouro. Para os dois especialistas, um país ganha muito mais se investir o dinheiro público em escolas e hospitais.

O gasto com os estádios é igualmente assustador. Arenas construídas em cidades que nem sequer possuem times na segunda divisão do campeonato nacional ou então reformas que puseram abaixo 90 % da estrutura do edifício para ser reconstruído praticamente do zero são algumas das ações absolutamente extravagantes e altamente questionáveis que envolvem o tema. Quando a questão são os custos, novamente, o Brasil dá o anti-exemplo. Segundo a ONG dinamarquesa Play the Game, dos vinte estádios mais caros do planeta, 10 estão no Brasil e se relacionam com a Copa. Ainda segundo a ONG, o custo por acento no mundial da Alemanha foi de U$S 3,442, no Brasil, já passam de US$ 5.886, ou seja, quase o dobro.

Entre as obras das arenas, o estádio Mané Garrincha é o mais caro e representa um caso emblemático. Inicialmente, a obra estava orçada em RS 700 milhões, hoje, ainda não finalizada, já passa de R$ 1,4 bilhão. Segundo análise do Tribunal de Contas do Distrito Federal, há indícios de superfaturamento de quase meio milhão de reais. Na avaliação dos auditores, há casos de escolhas feitas pelos engenheiros da obra, com o aval do governo, que elevaram o orçamento, sugerindo que o dinheiro gasto a mais pode ser indício de desvio de recursos e corrupção.

O estádio original foi inaugurado em 1974 e tinha capacidade para 45 mil pessoas, na reforma para a Copa quase nada restou do antigo e sua capacidade foi para 72 mil pessoas, tornando-se o segundo maior estádio da América Latina, perdendo apenas para o Maracanã. Sua segunda inauguração ocorreu na metade do ano passado, com as obras ainda não concluídas. Hoje, a pouco menos de 50 dias do início da Copa, pode-se ver ao redor do Mané Garrincha um grande canteiro de obras, com pistas de terra e pilhas de restos da construção. Brasília não tem nenhum time na série A do campeonato nacional, de modo que o futuro do estádio é incerto após a Copa, com forte vocação para receber shows e grandes eventos de entretenimento.

Parece que, assim, assistimos à repetição, em escala ampliada, da experiência dos jogos Panamericanos sediados no Rio de Janeiro em 2007, que acumulou obras superfaturadas, atuais gigantescas ruínas sem uso e que continuam a dar prejuízo aos cofres públicos, como o estádio do Engenhão. Inaugurado em 2007, ao custo de R$ 380 milhões, ele está desde o início do ano passado fechado para obras de reforço na cobertura, sem que se defina quem vai arcar com os custos da obra.

Como se vê, é difícil não pensar que a Copa repetirá o Pan e, assim, o paraíso dos desmandos, desperdício e desvio de recursos públicos. O que ganham a classe trabalhadora e a juventude? As tais obras de mobilidade urbana – anunciadas no calor dos protestos de junho passado – praticamente não saíram do papel. Ao contrário, os novos estádios, como o Itaquerão ou novo Maracanã, promoveram remoções indevidas de bairros inteiros agravando a questão habitacional e beneficiando a especulação fundiária urbana.

Mas, sem dúvida, o grande legado da Copa é a instauração de um estado de exceção sobre os direitos democráticos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Copa do Mundo é usada como pretexto para a radicalização da repressão policial sobre a classe trabalhadora, inclusive com o aparato da Força Nacional de Segurança, braço policial do exército, invadindo os morros cariocas. Assim, enquanto os dividendos da Copa são repartidos entre políticos corruptos e grandes conglomerados da construção civil, aos brasileiros resta a repressão; se a Copa não é o paraíso dos ladrões, certamente o padrão FIFA não passa do inferno para os trabalhadores e a juventude.