Transição Socialista

Por um Comitê em solidariedade aos perseguidos por Maduro

04.10.2019

Governo venezuelano persegue ativistas sindicais e de oposição pela esquerda. Na Argentina e no México, companheiros já impulsionam um Comitê em solidariedade aos venezuelanos perseguidos por Maduro. Precisamos de um Comitê assim também no Brasil. A Conlutas é fundamental para a sua criação.

Temos de falar da importância de conformar um Comitê Internacional contra a perseguição política a revolucionários pelo governo de Nicolás Maduro na Venezuela. Desde que a crise econômica e política se tornou mais aguda, ainda no final do governo de Hugo Chaves, o Partido Socialista Unido da Venezuela, que governa o país, começou um processo de perseguição aos opositores. Apesar do que a grande imprensa e os porta-vozes dos Estados Unidos dizem, os revolucionários, a oposição de esquerda, são muito mais perseguidos do que os representantes da chamada direita venezuelana.

Há quem ache isso delírio, ação de “infiltrados”, agentes da CIA etc. Mas vejamos. No dia 15/07, o companheiro Rodney Álvarez, operário revolucionário, de base, da empresa Ferrominera, conseguiu enviar uma carta diretamente da prisão Rodeo II, na Venezuela, pela qual “se declara em rebeldia” – ou seja, sem aceitar qualquer trâmite do processo judicial contra si. Sua prisão e seu processo são armações completamente falsas, montadas apenas para prendê-lo. Em sua carta, entre outras coisas, diz:

Após oito anos preso, tenho entendido que o meu caso não tem caráter penal, pois como cidadão eu teria o direito a demonstrar minha inocência, segundo o que rezam as leis burguesas do Estado capitalista Venezuelano. (…) Nestes oito anos, sofri três atentados à minha vida. Hoje, produto disso, estou aleijado da minha mão direita (…) informo à classe operária e ao proletariado de todo o mundo que me declaro em rebeldia; que entendi que o réu que este regime persegue é a classe trabalhadora, que sou prisioneiro político, que não vou seguir o jogo dos que me capturaram, que não vou assistir mais aos tribunais, ao ‘palácio da injustiça’. [Veja a íntegra da fortíssima carta do companheiro em nosso site].

Outro caso recente, também absurdo, é o da condenação à prisão de Rubén González, Secretário-Geral do Sindicato de Trabalhadores da Ferrominera. González já fora preso por Chávez em 2009 por dirigir uma greve dessa empresa. Mais recentemente, em 2018, foi preso quando voltava de uma marcha em Caracas. O ato era organizado pela Intersetorial de Trabalhadores da Venezuela e exigia o respeito aos contratos coletivos dos trabalhadores, repudiando as tabelas salariais impostas pelo governo. Após uma acusação forjada e um processo judicial com cartas marcadas, González foi condenado – no último 15 de agosto – a 5 anos e 9 meses de prisão. Ronda agora, nesta mesma semana, a notícia de que se prepara, com uma série de artimanhas, a demissão de José Bodas da PDVSA (estatal do petróleo da Venezuela). Bodas é hoje o Secretário-Geral da Federação Unitária de Trabalhadores Petroleiros, cá vinculado à Corrente Classista, Unitária, Revolucionária e Autônoma (CCURA). Ele tem conduzido uma série de lutas dos trabalhadores em defesa de seus salários e empregos e sua demissão seria um sério golpe na resistência operária.

Infelizmente, há muitos outros casos além desses. No dia 23 de março, foi encontrado morto Francisco Alarcón, na cidade de San Félix (Bolívar). Ele era presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores de Eletricidade e denunciava o governo de Maduro como responsável pelos apagões recentes de energia na Venezuela. Há quatro anos está desaparecido o militante revolucionário Alcedo Mora, que denunciou a corrupção estatal da PDVSA no estado de Mérida. A última mensagem que ele enviou a seus camaradas foi a seguinte:

Camaradas, alerta! Recebi um mandado de ordem de prisão da Sebin [Serviço de Inteligência do governo de Maduro]. A coisa está complicada. Querem me cobrar por denúncias de corrupção na PDVSA, que tenho feito, e me querem fazer uma arapuca.

Os filhos de Mora seguem na linha de frente do combate ao governo e exigem o aparecimento de seu pai. Outros dirigentes políticos, sindicais ou de bairro também desaparecidos são os seguintes:

José Gregorio Lezama Villegas; Ommer Orlando Bautista Villanueva; Feixbel Alexandro Fernández Becerra; Eixbel Josua Fernández Becerra; Alexander de Jesús Guevara Pineda; Onel Antonio NúMez Planchez; Edgar Manuel Ramírez Peria; Jorge Luis Aquino Torrealba; Yilber Argenis Abreu Rodriguez; Julio Domingo Blanco Pérez; Evelin Yharlait Rios Azuarta; Juan Esneider Vergel Prado; Eliezaer Antonio Vergel Prado; Cenis Michel Carrero; Jonathan Sheiterman Mora Zambrano; John Tarwy Aguilar Barrasa; Alexis José Vivas Guillen; Nelson Carpio; Oscarly De Ávila; Yera Herrera; Jhon Alexander Rias; Liberkey Figuera.

E isso tudo sem falar de assassinatos pessoas de pouca proeminência política, não participantes de organizações de esquerda, mas envolvidas em manifestações nos últimos anos. Para além da ação dos “colectivos” – espécie de milícia proto-fascista de Maduro – soma-se a ação das FAES, as Forças de Ações Especiais, que, segundo dados do próprio Ministério Público venezuelano, são responsáveis por quase 7 mil execuções entre janeiro de 2018 e maio de 2019. O governo burguês de Maduro reprime barbaramente todas as consequências da miséria capitalista do país (sejam as consequências propriamente políticas, seja o aumento dos roubos, sejam os protestos espontâneos da massa desesperada).

Denunciar tudo isso não é “fazer o jogo do imperialismo”, ser “quinta coluna” e tantos outros adjetivos usados pelos estalinistas do presente. Os revolucionários não devem ficar calados. É óbvio que somos todos contra uma invasão dos EUA à Venezuela, mas não é isso que está em questão neste momento. Essa possibilidade, conforme apresentam, não é real, e esse discurso só serve para desviar as críticas ao governo bonapartista de Maduro. Os EUA temem, na realidade, não o “anti-imperialismo” de Maduro- muito mais subserviente ao grande capital americano do que qualquer um pode imaginar -, mas que a putrefação do governo Maduro, por suas próprias contradições, abra espaço a um processo revolucionário da massa trabalhadora venezuelana desesperada.

Em todos os exemplos históricos em que governos autoritário-burgueses caíram e houve um vácuo de poder a classe trabalhadora atuou e tentou realizar um governo próprio. Pense-se na queda do Império francês (ditadura) de Louis Bonaparte, que caiu em meio à Guerra Franco-Prussiana, em 1870, e abriu espaço para a Comuna de Paris. Pense-se na queda do Império dos Tzares em 1917, abrindo espaço à Revolução Russa. Pense-se na queda do Império alemão em 1918, que abriu espaço aos conselhos de operários e soldados. Todo governo ditatorial-burguês é menos estável para a burguesia que um governo democrático-burguês e, por isso mesmo, insustentável no longo prazo. A troca de regime – do bonapartista/autoritário ao democrático-burguês – é sempre um processo complexo e contraditório, que abre espaços para a ação de massas.

Eis por que o Departamento de Estado dos EUA se especializou no que eles próprios chamam de “despressurização” – especialmente a partir dos trabalhos de Samuel P. Huntington. Ou seja, pensou em como fazer a transição do autoritarismo burguês à democracia burguesa. Não esqueçamos que Huntington esteve no Brasil especificamente para reunir-se com o general Golbery do Couto e Silva – o cabeça da Ditadura Militar – e discutir a transição à democracia burguesa (e não nos esqueçamos, também, que Golbery apostou todas as suas fichas para uma transição ordenada e pacífica à democracia numa figura chamada Luis Inácio ‘Lula’ da Silva).

A queda do governo autoritário-burguês de Maduro, por suas próprias contradições, pode abrir espaço a ações revolucionárias das massas, e é isso que a burguesia mais teme (seja ela venezuelana, seja americana). Por isso que a primeira ação de Maduro é combater todos os revolucionários proletários, com o beneplácito do imperialismo dos EUA. Se os EUA se preparam para qualquer intervenção, reforçamos, não é por causa de um “anti-imperialismo” chavista, não é para “roubar petróleo venezuelano” – que eles já têm bem barato e produzem em abundância em seu país a partir do xisto -, mas para impedir qualquer risco de levante proletário.

O anti-imperialismo abstrato, de matriz estalinista, só serve para paralisar a classe trabalhadora da Venezuela e impedir que ela lute diretamente pelo poder, contra a sua própria burguesia. Lembremos que Marx e Engels falam, no Manifesto, que a classe trabalhadora é “nacional” somente no sentido de que ela tem de dar conta, primeiro e antes de tudo, da sua própria burguesia (mas disso os oportunistas bolivarianos concluem que a classe trabalhadora tem de ser nacionalista, no sentido burguês do termo!). É fundamental que os companheiros de organizações brasileiras mais à esquerda – como PSTU e CST-PSOL – percebam a importância de se criar um Comitê de Solidariedade aos revolucionários perseguidos na Venezuela. O que está em questão é a revolução socialista na Venezuela, que pode ser um impulso à revolução socialista no Brasil. É preciso sair dessa política de olhar parado, fora do tempo, dessa política rotineira e de calendário, e pensar numa política revolucionária, uma política que percebe que há uma possibilidade de revolução real em nosso continente hoje, no presente. É preciso sair dessa postura de críticas amenas a Maduro – e o grosso da crítica ao inimigo externo -, que no fundo só serve para capitular ao inimigo interno. Essa esquerda faz leves críticas a Maduro mas, no fundo, sempre respira aliviada quando este não cai. Afinal – pensa ela -, vai que ele cai e os EUA intervêm… Parecerá a muitos que ele caiu porque os EUA derrubaram (e não, na realidade, devido às suas próprias contradições) e assim as críticas a Maduro parecerão inconsequentes. É preciso superar esse medo e sair de cima do muro. A esquerda não pode ter medo de colocar sua linha à prova na história.

O fundamental não é dizer “Fora Trump” e fazer críticas amenas a Maduro. O fundamental é dizer “Fora Maduro” via mobilização dos trabalhadores, dirigidos por suas próprias organizações. Mas isso só é possível se as organizações e seus dirigentes não forem destruídos. Portanto, daqui, de fora, do Brasil, da Argentina, e de todo o continente, temos a função imperiosa de auxiliar os companheiros venezuelanos, denunciando os autoritarismos, fazendo atos de rua, nas embaixadas etc. Temos de fazer o máximo para criar as melhores condições para que os revolucionários não fujam de lá, para que possam se manter em luta no país. Aí estão as únicas condições da revolução no país, que pode dar um impulso enorme em toda a luta dos trabalhadores no mundo.

A Conlutas deve dar base à criação de um Comitê brasileiro em Solidariedade aos venezuelanos perseguidos por Maduro!